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terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Bem de família não está à salvo da penhora em caso de dívidas condominiais cobradas judicialmente

Em 1990, o legislador brasileiro aprovou a Lei da Impenhorabilidade do Bem de Família, Lei nº 8.009, onde, nela, atribuiu regras e diretrizes para indicar e qualificar quando um bem imóvel pode ser considerado bem de família e, portanto, não sujeito às constrições judiciais (penhora, arresto, etc.) por dívidas de diferentes naturezas, tais como dívidas civis, ficais, comerciais, previdenciárias ou de outras naturezas.

Diz o artigo 1º da Lei nº 8.009/90:
  • Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.
E o parágrafo único do artigo 1º aduz sobre os investimentos realizados no imóvel, cujos quais também são compreendidos dentro da regra da impenhorabilidade (construções, plantações, benfeitorias, equipamentos de uso profissional e os móveis que guarnecem a casa, desde que estejam quitados).

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Ocorre que a própria lei, em seu art. 3º, elucida algumas hipóteses em que o bem de família estará resguardado da impenhorabilidade, podendo, portanto, responder pelas dívidas contraídas pelo (s) seu (s) proprietário (s).

No caso das dívidas condominiais, a Lei nº 8.009/90 não atribuiu uma previsão específica. Não existe, em toda a redação dos artigos da referida lei, expressamente os termos “dívidas condominiais”, ou outra que se aproxime à elas, tais como encargos condominiais, cotas condominiais, despesas de condomínio, etc.

Entretanto, o inciso IV, do art. 3º, da Lei da Impenhorabilidade do Bem de Família, traz em sua redação o seguinte teor:
  • Art. 3º. A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:(...)
  • IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;
Como pode se observar, não há nesta redação previsão acerca das despesas/taxas condominiais especificamente. Não se depura hipótese expressa acerca das dívidas condominiais estarem abarcadas como exceção à penhorabilidade do bem de família.

Todavia, diversas ações de condomínios contra condôminos inadimplentes “pipocavam” no Judiciário brasileiro e, em muitas ocasiões, os condôminos-réus, devedores das despesas condominiais, alegavam não poder ser seu imóvel penhorado porque encontrava-se dentro da hipótese da impenhorabilidade, vez que seu imóvel era bem de família, ou seja, preenchia os requisitos para tanto.

O debate se intensificou na jurisprudência e na doutrina, havendo muita divergência neste sentido, até que em 2002, o Código Civil pacificou as discussões quando passou a prever, no art. 1.715, a exclusão da proteção do bem de família por dívidas tributárias relativas ao prédio ou às despesas condominiais, sendo válida transcrição do artigo, conforme segue abaixo:
  • Art. 1.715. O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de condomínio.
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Fonte: sindicolegal.com
A partir de então, se tornou indiscutível a possibilidade das dívidas condominiais cobradas judicialmente levarem o imóvel à penhora, mesmo que fosse possível considerá-lo bem de família, para, posteriormente, ser levado à leilão judicial visando o adimplemento dos débitos condominiais, fosse em qualquer valor.

Portanto, é pacífico o entendimento de que, no caso de débitos condominiais cobrados judicialmente, o bem imóvel do devedor poderá ser objeto de penhora e posterior leilão a fim de saldar o valor em aberto.

Compartilhamos desta interpretação, uma vez que despesa condominial é inerente à coisa (o imóvel). É o que chamamos de obrigações propter rem, pois são dívidas atreladas ao próprio bem imóvel, não podendo o condômino inadimplente se furtar de suas obrigações transportando aos demais condôminos (à coletividade do condomínio) aguentar arcar com dívidas que não lhes pertence.

Assim sendo, o presente artigo serve de alerta para que os leitores membros e moradores de condomínios não deixem de arcar com suas obrigações condominiais. Lembrem-se que os condôminos pertencem a uma coletividade de moradia, com deveres e obrigações inerentes à todos, indistintamente.

No mais, agradeço pela leitura e até a próxima!

Deixe abaixo seu comentário sobre o que achou do artigo. Lembrando que o debate também é bem-vindo!

Qualquer dúvida ou assuntos de interesses particulares, meus dados profissionais encontram-se no canto direito superior da tela. Estou à disposição!

Autor: Dr. Pérecles Ribeiro Reges, é especialista em Processo Civil pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV), ênfase em Prática Cível pelo Centro de Ensino Renato Saraiva (CERS), aluno especial do Programa de Pós-graduação em Direito Processual (PPGDIR) da UFES, advogado da BRFT Sociedade de Advogados, inscrito nos quadros da OAB/ES sob o nº 25.458 e atua nos ramos do Direito Civil, Direito Imobiliário, Empresarial e Consumidor.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

STJ profere decisão autorizando penhora de salário


Primeiramente, gostaria de desejar à todos um feliz 2019!! Desejo que os sonhos de cada um se realize, os objetivos sejam alcançados, metas sejam ultrapassadas, com muita saúde e paz.

Em segundo plano, quero deixar claro que o segundo semestre de 2018 foi de muito trabalho e estudo, sendo que, por tais motivos, tive de me afastar por esse breve período de tempo. Mas, de toda sorte, voltamos com força total no ano que se inicia!!

Dando início aos trabalhos, nosso primeiro tema do ano é bastante novo, causou certa estranheza aos meus olhos quando o estudei, mas, ao final, concordei com a decisão do STJ, apesar de não ser usual/comum na nossa Justiça.

O próprio título já remete à questão: o STJ (Superior Tribunal de Justiça), na análise de um caso (Recurso Especial nº 1.582.475 de Minas Gerais, de outubro de 2018), decidiu que é possível a penhora de salário do devedor para pagamento de dívida.

Esta decisão é uma exceção à uma das regras mais intocadas pela Justiça (penhora de salário), vide os mais diversos casos em que os magistrados negam os pedidos dos credores de penhorarem os salários de seus devedores para cumprimento da dívida.

Isto porque a impossibilidade de se penhorar salário do devedor para cumprimento de dívida está prevista, não só no Novo Código de Processo Civil (art. 833, inciso IV), como no antigo Código de Processo Civil (Art. 649, inciso IV) e na Constituição da República, pois o salário é considerado direito fundamental (art. 7º da Constituição brasileira).

Ocorre que, no caso analisado pelo STJ, o devedor tinha salário de aproximadamente R$ 34 mil e, portanto, poderia haver a penhora de seu salário limitada a 30% (trinta por cento) deste valor, o equivalente a R$ 10.200,00.

Acredito, caro leitor, que você deva estar confuso com a decisão e pensando: “isso é um absurdo! Não posso ter parte do meu salário bloqueado pela Justiça! Isso não é justo!”

Calma, há explicação e ela está na própria decisão do STJ. É verdade que a decisão causa estranheza, porém, ela tem sentido e razão de ser.

Primeiro: esta interpretação e a decisão neste mesmo sentido SERÁ SEMPRE analisada em cada caso, em suas particularidades, de acordo com as realidades do processo e dos envolvidos. Não será usada em qualquer hipótese. Portanto, fique tranquilo se você está respondendo por um processo na Justiça como devedor, recebe salário e tem o pedido de penhora do mesmo pelo credor, a penhora dele será decidida pelo juiz numa porcentagem proporcional ao seu salário (pode ser de 10%, 15%, até chegar à 30%). Logo, o pedido de penhora do salário NÃO SERÁ ATENDIDA AUTOMATICAMENTE. Será fundamentada e de acordo com o caso específico e a sua realidade.

Segundo: o pedido deve vir do credor. O juiz não tem liberdade de penhorar o salário de ninguém para satisfazer uma dívida sem que haja pedido expresso para tanto.

Terceiro: é preciso ter ocorrida outras formas e tentativas de se achar patrimônio do devedor para suprir a dívida em juízo. Logo, o pedido feito pelo credor ao juiz (de penhorar o salário do devedor), não deve ser a primeira opção do credor, sob pena de indeferimento de pronto pelo magistrado (deve o mesmo proceder desta forma sob pena de lesão aos direitos garantidos do devedor).

Quarto: a penhora NÃO PODE e NEM DEVE PREJUDICAR O DEVEDOR! Por isso afirmei que a decisão do magistrado em penhorar o salário do devedor dependerá da análise de cada caso concreto. (ex.: não se reputa justo, mesmo se atendidos os “passos” acima, penhorar o salário de alguém que ganha, R$ 3 mil e precisa sustentar uma família, por exemplo).

Remuneração - receitas financeiras - parcelamentoDesta forma, o credor deve PROVAR que a porcentagem de penhora pedida ao juiz não comprometerá a subsistência do devedor e, caso isso ocorra, o devedor deve intervir o quanto antes (mediante manifestação escrita no processo somada à conversa direta, através de seu advogado, com o próprio magistrado).

No caso decidido pelo STJ objeto da nossa análise, o devedor teve seu salário penhorado no limite máximo autorizado pela jurisprudência (que é de 30%), mas, de maneira alguma essa porcentagem penhorada prejudicaria seu sustento e de sua família, pois o valor que “sobrará” de seu salário é o suficiente para manutenção de sua vida.

O que se enxerga perante o que se tratou no presente artigo é que está se buscando prestigiar o direito do credor perante a dificuldade que este tem, na grande maioria das vezes, de receber o que lhe é de direito, sofrendo dois prejuízos: o não pagamento que derivou na existência da dívida e, com isso, a necessidade de ajuizar demanda judicial para buscar reaver seu prejuízo; e, após o fazendo pela via judicial, não conseguir receber o que lhe pertence por não encontrar patrimônio (suficiente) em nome do devedor.

Logo, a decisão do STJ, por mais estranha que possa parecer à primeira vista, está correta e objetiva aplicar instrumentos para coibir a prática do mau pagador e do devedor de má-fé.

Vale frisar que o entendimento acerca da penhora de salário, que não for por dívida alimentícia, é fonte de intenso debate. No próprio STJ existem divergências de entendimentos nas Turmas de Direito Privado e, portanto, a questão está longe de ser pacificada. Portanto, importante sempre estarmos atentos às novidades e as diferentes decisões do nosso Judiciário.

Agradeço pela leitura e até a próxima!

Deixe abaixo seu comentário sobre o que achou do artigo. Lembrando que o debate também é bem-vindo!

Qualquer dúvida ou assuntos de interesses particulares, meus dados profissionais encontram-se no canto direito superior da tela. Estou à disposição!

Autor: Dr. Pérecles Ribeiro Reges, é especialista em Processo Civil pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV), ênfase em Prática Cível pelo Centro de Ensino Renato Saraiva (CERS), aluno especial do Programa de Pós-graduação em Direito Processual (PPGDIR) da UFES, advogado da BRFT Sociedade de Advogados, inscrito nos quadros da OAB/ES sob o nº 25.458 e atua nos ramos do Direito Civil, Direito Imobiliário, Empresarial e Consumidor.