No último dia 29 de agosto de 2019,
foi publicada decisão da 3ª Turma do STJ, sob a batuta da Ministra Nancy Andrighi,
relatora do Recurso Especial nº 1.827.778 advindo do Rio Grande do Sul, na qual
ficou assentado que é desnecessário o
recebimento pessoal do devedor, que está em débito no contrato de alienação fiduciária, para que possa a instituição
financeira buscar e apreender o objeto do contrato dado em garantia.
Analisando o voto da douta Ministra, verificam-se
alguns elementos que trarão importantes consequências para os casos futuros,
ou, em outras palavras, para os casos posteriores à decisão da 3ª Turma.
Segunda consta em seu voto,
acompanhado à unanimidade pelos demais Ministros julgadores, deram provimento
ao recurso interposto pela Aymoré Crédito, Financiamento e Investimentos,
aduzindo em seus fundamentos que a notificação
extrajudicial encaminhada pelo Cartório de Títulos e Documentos ao
endereço informado pelo devedor no contrato
de alienação fiduciária de veículo dado como garantia do próprio contrato,
MESMO NÃO TENDO O MESMO RECEBIDO PESSOALMENTE A NOTIFICAÇÃO, equivalerá à
ciência dele e sua constituição em mora.
Significa dizer, portanto, que mesmo
que o devedor não tenha assinado ou recebido pessoalmente a notificação, poderá
a instituição financeira aplicar as consequências previstas no Decreto-lei 991/69, já em
caráter liminar, pois preenchidos os requisitos para tanto, fazendo-se a busca
e apreensão do veículo por conta do inadimplemento
do financiamento por parte do devedor.
Consta que a carta de notificação
voltou com a informação “mudou-se”, mesmo sendo o endereço exatamente aquele
previsto no próprio contrato de alienação informado inicialmente pelo devedor, e,
por tal circunstância, é dever do próprio
devedor informar seu novo endereço ao credor-fiduciário (no caso, a
Aymoré).
Trouxe a Ministra a incidência dos princípios da boa-fé contratual e da
probidade como base à sua decisão no exato sentido de obrigar ao devedor manter seus cadastros sempre
atualizados sob pena de não se ver salvaguardado da sua constituição em mora em
caso de seu inadimplemento.
A intenção do presente artigo não é
entrar nos meandros do Decreto-lei,
haja vista ser extremamente confrontado pela doutrina por conta dos seus
aspectos impositivos e, por muitas das vezes, lesivos aos direitos do devedor,
de sorte que o objetivo é demonstrar que o entendimento jurisprudencial que vem
sendo encampado pelo STJ impõe o
dever de cuidado entre os contraentes na alienação.
Pela importância da temática, abrimos
aspas ao entendimento externado pela Ministra Nancy, cuja ementa segue em seu
inteiro teor para leitura:
“RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE BUSCA E
APREENSÃO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. DL 911/69. CONSTITUIÇÃO EM MORA.
NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL. AVISO DE RECEBIMENTO (AR) COM INFORMAÇÃO DE QUE O
DEVEDOR MUDOU-SE. COMPROVAÇÃO DO RECEBIMENTO PESSOAL. DESNECESSIDADE. EXTINÇÃO
DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. INDEVIDA.
1. Ação de busca e apreensão da qual
se extrai este recurso especial, interposto em 16/5/19 e concluso ao gabinete
em 1º/8/19.
2. O propósito recursal consiste em
definir se é imprescindível a comprovação simultânea do encaminhamento de
notificação ao endereço constante no contrato e do seu recebimento pessoal,
para a constituição do devedor em mora nos contratos de alienação fiduciária.
3. O prévio encaminhamento de
notificação ao endereço informado no contrato pelo Cartório de Títulos e
Documentos é suficiente para a comprovação da mora, tornando-se desnecessário
ao ajuizamento da ação de busca e apreensão que o credor fiduciário demonstre o
efetivo recebimento da correspondência pela pessoa do devedor.
4. O retorno da carta com aviso de
recebimento no qual consta que o devedor “mudou-se” não constitui, por si só,
fundamento para dizer que não foi constituído em mora.
5. A bem dos princípios da probidade e
boa-fé, não é imputável ao credor fiduciário a desídia do devedor que deixou de
informar a mudança do domicílio indicado no contrato, frustrando, assim, a
comunicação entre as partes.
6. Na hipótese dos autos, o Tribunal
de origem extinguiu o processo sem resolução de mérito, por ausência de
comprovação da mora para o ajuizamento da ação de busca e apreensão, sob o
fundamento de o AR constar a mudança do devedor. Esse entendimento não se
alinha à jurisprudência do STJ.”
Na minha visão, mesmo tendo a decisão
seguido alguns outros julgados já dados pela Sessão de Direito Privado do STJ, deve
ser visto com parcimônia. Cada caso deve ser analisado em sua particularidade e
não deve ser aplicada a regra da tese jurisprudencial em todas as situações. Em
outra decisão dada no REsp 1.592.422/RJ,
já em 26 de junho de 2016, o Ministro Luis Felipe Salomão (o qual também rendemos
nossas homenagens), da 4ª Turma, aludiu que:
“a mora decorre do simples vencimento,
devendo, por formalidade legal, para o ajuizamento da ação de busca e
apreensão, ser apenas comprovada pelo credor mediante envio de notificação, por
via postal, com aviso de recebimento, no endereço do devedor indicado no
contrato”
Desta forma, percebe-se que o STJ vem
seguindo uma linha de entendimento, podemos afirmar, pacífica.
Todavia, temos de um lado as instituições
financeiras credores, ávidas pelo insucesso do contrato (sejamos francos) tendo
em vista as consequências que tal fato irá trazer, e de outro os devedores que
estão sujeitos aos mais variados intempéries da vida, extremamente passíveis de
frustrarem suas obrigações do contrato e podendo sofrerem as intervenções
(legais, deixa-se claro) ante seu descumprimento.
Será mesmo que esta é a melhor e mais
justa solução para esta espécie de conflito social instalado? Será que a tese
que vem sendo paulatinamente consolidada pelo STJ nos casos de alienação
fiduciária está confirmando a celeridade e a eficácia da tutela jurisdicional?
É, portanto, por tais circunstâncias
que não devemos generalizar a aplicação do julgado, pois tanto de um lado como
de outro, existem casos de grave má-fé, com objetivos escondidos por detrás da “simples”
assinatura do contrato ou da própria notificação extrajudicial (como no
presente caso).
Ocorre que o Decreto-lei 991/69, consoante dissemos acima, é impositivo.
Entretanto, seus termos são muito claros e, à bem da verdade, analisando friamente
a letra da lei e o caso analisado pela Ministra, agiu corretamente em decidir
pela desnecessidade do recebimento pessoal da notificação (emitida por Cartório
de Títulos e Documentos, frise-se), para que possa a Aymoré (autora da ação)
buscar e apreender o veículo dado em garantia ante o inadimplemento pelo
devedor do contrato de financiamento.
A prova disso se extrai das próprias ilações
da Ministra Nancy, ao dizer que:
“(...) é preciso
averiguar se o equívoco decorre de ato do credor, como na hipótese de o
endereço da correspondência não coincidir com aquele indicado no contrato; ou
do devedor, como na situação da mudança de domicílio não informada ao
proprietário fiduciário.
(...) não se pode
imputar à recorrente o dever de realizar outras tentativas de comprovação da
mora além daquela disposta em lei, pois a frustração da notificação foi fruto
tão somente da desídia do devedor em deixar de manter seu endereço atualizado
no contrato.
É dizer, ao permanecer silente quanto ao seu novo domicílio, o
próprio devedor inviabilizou a comunicação com o proprietário fiduciário,
assumindo o risco de sua omissão durante a execução do contrato, considerando
os princípios gerais de probidade e boa-fé (art. 422, do CC).”
(grifos nossos)
Ao reverter a decisão do TJ-RS, a Ministra
Nancy deu provimento ao Recurso Especial, dando prosseguimento à ação inicial
de busca e apreensão e, inclusive, concedendo a liminar ante a constituição do
devedor em mora e, assim, o preenchimento dos requisitos do Decreto-lei 991/69.
Para saber mais, segue abaixo o link
para acessar o julgado REsp 1.828.778/RJ completo:
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Autor: Dr. Pérecles Ribeiro
Reges, é especialista em Processo Civil pela Faculdade de Direito de
Vitória (FDV), ênfase em Prática Cível pelo Centro de Ensino Renato Saraiva
(CERS), aluno especial (2018/2) e ouvinte (2019/1 e 2019/2) do Programa
de Pós-graduação em Direito Processual (PPGDIR) da UFES, Pós-graduando em
Direito Empresarial pela PUC-MG, membro da Comissão de Direito Imobiliário da
OAB/ES, advogado do escritório BRFT Sociedade de Advogados, inscrito
nos quadros da OAB/ES sob o nº 25.458 e atua nos ramos do Direito Civil,
Direito Imobiliário, Empresarial e Consumidor.