Fonte: http://diariodegoias.com.br/brasil/50267 -supremo-decide-se-transexual-pode- mudar-registro-civil-nesta-quinta-20 |
Poucos dias atrás, me deparei com uma louvável notícia advinda
das decisões do Superior Tribunal de
Justiça (STJ).
Fazendo cumprir com seu título de Corte Cidadã ou Tribunal
da Cidadania, o STJ, através
do entendimento firmado pelo colegiado da Quarta Turma, acolheu pedido
de modificação do prenome (“primeiro nome”) de transexual, bem como do
seu gênero, sem que este precisasse ser submetido à intervenção
cirúrgica para retirada do seu órgão genital masculino a fim de possibilitar a modificação
do seu sexo no registro civil.
Em outras palavras, o (ou, agora, “a”) transexual que deu
origem ao processo conseguiu modificar seu sexo no registro civil de nascimento
sem ter se condicionado à uma cirurgia de mudança de gênero (“adaptação” do órgão
sexual masculino para o feminino, no caso).
A tese vencedora foi do Relator do processo, Ministro Luís
Felipe Salomão. A ação subiu ao STJ
a partir do Recurso Especial contra a decisão do Tribunal de Justiça do Estado
do Rio Grande do Sul, Estado de onde a demanda originou-se, pois negou, em
primeira instância recursal, o direito de mudança do sexo no registro civil,
autorizando, somente, a mudança do prenome.
É digno de aplausos a referida decisão!
Consegue perceber a relevância social que essa decisão
pressupõe? Essa é uma vitória para aqueles que são “subju(l)gados” pela sociedade
massacrante e que, por isso, vivem à margem, sofrem calados.
Em razão disto, resolvi escrever sobre um tema diferente do usual,
mas de grande importância. O STJ
reconheceu, sobremaneira, que hábitos e costumes da sociedade se modificam e
evoluem, e cabe ao Judiciário, quando o Legislativo e o Executivo não o fazem,
observar/extrair essas sutilezas sociais.
QUAIS FORAM OS FUNDAMENTOS
USADOS PELA DECISÃO DO STJ (Ministro Luís Felipe Salomão e Ministra Nancy
Andrighi)
A decisão que se sagrou vencedora no processo tem total
fundamento e encontra sua base em preceitos fundamentais da nossa sociedade.
Já se sabe que o prenome e o
sobrenome de alguém, hoje, não é a única forma de identificá-lo (la). Apesar
de a Lei dos Registros Públicos (Lei
nº 6.015/73) estabelecer que o nome é imutável, o parágrafo
único, do art. 55 e o art. 58, ambos da própria lei, oportuniza/autoriza a
modificação quando do nome resultar situações vexatórias, expor o
indivíduo ao ridículo ou fazê-lo sofrer degradação ou preconceito social.
No caso de um transexual, entende-se que, geralmente, não há
identidade entre como a pessoa se vê, psíquica e emocionalmente, e o seu sexo
biológico (como nasceu).
Foi exatamente neste tocante que o Ministro Relator Luís
Felipe Salomão encontrou sustento à sua decisão. Tanto que, analisando os
conceitos de sexo, identidade de gênero e orientação sexual, percebeu, no caso por
ele relatado, que havia uma desconexão entre como o transexual se via e como se
julgava ser e seu gênero de nascimento.
O que o douto Ministro fez foi buscar uma forma de adequar
os sentimentos e avaliações internas do transexual ao seu sexo psicológico. Daí
que, independentemente da regra da Imutabilidade
do Nome, se valeu da possibilidade de alteração do nome para os casos
de situações vexatórias ou de degradação social, como base para acatar
a justificativa da divergência entre o nome e a aparência física
do indivíduo a fim de possibilitar a modificação, também, do gênero no
assentamento civil.
Acrescentou, ainda, que todos nós temos direito à
felicidade, direito inerente à dignidade
da pessoa humana, fundamental a todos, indistintamente, de modo que
apenas a mudança no prenome do transexual continuaria a divergir com a
identidade do indivíduo, permanecendo sujeito aos constrangimentos da vida social.
Vejamos o que o Ministro disse na íntegra:
“Se a mudança
do prenome configura alteração de gênero (masculino para feminino ou
vice-versa), a manutenção do sexo constante do registro civil preservará a
incongruência entre os dados assentados e a identidade de gênero da pessoa, a
qual continuará suscetível a toda sorte de constrangimentos na vida civil,
configurando-se, a meu juízo, flagrante atentado a direito existencial inerente
à personalidade”
Em outra oportunidade, a Ministra Nancy Andrighi, representante
vanguardista em diversas decisões do STJ,
entendeu que, em outros tempos, o registro civil baseava-se no nome e no
sexo (no órgão sexual), apenas. Todavia, com as inovações tecnológicas e
científicas, vários outros fatores servem para identificar o sexo de alguém,
motivo pelo qual o sexo aparente não deve
limitar a identificação da pessoa.
Fatores psicológicos, familiares, culturais, sociais,
integram o arcabouço da identidade do ser humano, de modo que contextos psíquicos
e comportamentais externam a realidade biológica do indivíduo, cabendo ao
Estado conceder meios e formas necessárias para que o cidadão tenha uma vida
digna em sociedade, tal como a modificação do sexo em seu registro civil.
Para o ou a transexual, é alcançar aquilo que tanto almeja:
ser reconhecido (a) e respeitado (a) civilmente como que ser visto (a), objetivando
evitar novos constrangimentos, preconceitos e infortúnios cotidianos.
Busca-se, assim, ratificar que seu nome social, ou
seja, como o (a) transexual é chamado (a) cotidianamente em seu ciclo familiar,
de trabalho, de amigos, em repartições públicas, etc., não contraponha o seu nome
registrado oficialmente, visto que este não reflete sua identidade de gênero, não reflete como
se enxerga perante o mundo.
Em outra passagem, o Ministro Luis Felipe Salomão realça que
não é porque a pessoa não tem condições
financeiras suficientes ou que está aguardando anos na fila do SUS que o STJ
vai se eximir de admitir o direito mínimo ao cidadão de bem, que apenas
busca dignidade, igualdade e respeito, direitos
básicos de uma sociedade democrática.
Em pensar que décadas passadas, nem sequer se discutia a
possibilidade de alguém mudar o gênero do nome no registro civil (do
masculino para o feminino, ou vice e versa), sob a singela justificativa de que
esse era considerado imutável
por força da Lei dos Registros Públicos (Lei nº 6.015/73).
Vivemos em tempos diferentes dos passados e cada vez mais complexos,
integrando culturas, religiões, ideologias e, indiscutivelmente, escolhas
sexuais e de gêneros, cada mais diversificadas.
É o multiculturalismo em todas as suas instâncias, tomando
conta do enredo do cotidiano e cabe a cada um de nós aceitar o outro,
independente de suas opções, pois é assim que se vive numa democracia verdadeira.
Do contrário, “viv(emos)eremos” em uma
democracia às escuras, de fachada, de mera nomenclatura.
COMO MODIFICAR O
SEXO NO REGISTRO CIVIL?
Analisando casos de notório conhecimento, podemos afirmar
que a mudança no prenome não possui grandes objeções. Por outro lado, a
mudança do sexo no assentamento civil merece atenção especial, pois cada
caso ressalta suas especificidades, de modo que a decisão tomada pela Quarta
Turma do STJ não vale como regra
para toda e qualquer situação.
O STJ já
teve a oportunidade de se manifestar em casos semelhantes ao descrito acima, de
modo que, em todos eles, a parte requerente informou laudos psíquicos, avaliações
psicológicas, testemunhos, documentos, fotos, a comprovação de utilização de
hormônios femininos durante anos, além de cirurgias para adequar a aparência à
realidade psíquica.
É obrigatório
o ajuizamento de AÇÃO JUDICIAL, no qual fará parte o Ministério Público,
tendo de estar o (a) interessado (a) devidamente representado (a) por um ADVOGADO.
Isto porque, por força daquela Lei de Registros Públicos,
a mudança pela via administrativa ainda não é possível, apesar de já haver,
tramitando no Congresso Nacional, Projeto de Lei que visa discutir esta e
outras matérias (Projeto de Lei nº 5002/2013).
É preciso comprovar a divergência entre a identidade
psicológica e física com os dados constantes no assentamento civil (no registro),
através de documentos, laudos e avaliações psicológicas, testemunhos, etc.
Após a sentença do juiz, autorizando a modificação do prenome
e do sexo no registro civil da pessoa, transitar em julgado, será averbado
no Cartório de Registro Civil.
CONCLUSÃO:
Fica aqui meu registro e apreço pelo entendimento da Quarta
Turma do STJ e pela louvável
relatoria no processo pelo Ministro Luís Felipe Salomão, sem tirar o mérito de
outras decisões vanguardistas, como da Ministra Nancy Andrighi, Ex-Ministro
Noronha e Ex-Ministro Direito, entre outros.
Que a evolução positiva faça parte do nosso cotidiano
forense e que decisões como essas auxiliem no papel do ADVOGADO: a busca dos direitos dos necessitados, dos
incapacitados, dos não legitimados, indistintamente. Esse é o nosso papel
social!
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Autor: Dr. Pérecles Ribeiro Reges, é especialista em Processo Civil pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV), ênfase em Prática Cível pelo Centro de Ensino Renato Saraiva (CERS), advogado da BRFT Sociedade de Advogados, inscrito nos quadros da OAB/ES sob o nº 25.458 e atuante na área do Direito Imobiliário na Comarca da Grande Vitória/ES.
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